segunda-feira, 16 de maio de 2011

Diferenciar tristeza de depressão

Achei interessante a matéria.

Mais um pouco de informações para diferenciar tristeza e depressão.

Ficar triste dói. o sentimento pode ser passageiro ou durar muito tempo. Mesmo nesses casos, não significa que ele só possa ser superado com remédios, diz o sociólogo americano Allan V. Horwitz. O livro que lançou nos Estados Unidos em julho, The Loss of Sadness: how Psychiatry Transformed Normal Sorrow into Depressive Disorder (A Perda da Tristeza: como a Psiquiatria Transformou a Tristeza Comum em Desordem Depressiva), em parceria com o psiquiatra Jerome Wakefield, é uma tentativa de alertar sobre o que considera um excesso de diagnósticos de depressão.

 Allan V. Horwitz

ÉPOCA – O que significa a “perda da tristeza” que dá nome ao livro?

Allan V. Horwitz – Tristeza é a resposta normal a perdas que sofremos na vida. Agora se tornou comum chamá-la de “depressão”. Algo normal foi transformado em doença. A cultura dos antidepressivos transformou em doença dificuldades que fazem parte da vida.

ÉPOCA – Segundo calcula a Organização Mundial da Saúde (OMS), 121 milhões de pessoas no mundo sofrem de depressão. O que o senhor acha desse número?

Horwitz – É uma estimativa muito elevada. A OMS usa os sintomas da tristeza, que até podem ser os mesmos da depressão, sem considerar o contexto do acontecimento que deixou a pessoa triste. Incluem na mesma estatística quem sente uma tristeza normal e quem realmente é depressivo.

ÉPOCA – Que sintomas caracterizam a tristeza e a depressão?

Horwitz – Segundo o manual de diagnósticos da psiquiatria (DSM-4), se cinco sintomas de uma lista de nove durarem mais de duas semanas, os médicos dizem que há depressão. São eles: perda do humor; perda de interesse por atividades prazerosas; ganho de peso ou perda de apetite; insônia ou excesso de sono; agitação ou apatia; cansaço; sentimento de culpa e baixa auto-estima; dificuldade de concentração e de decisão; pensamentos recorrentes sobre morte ou tentativa de suicídio.

ÉPOCA – Então, qual é a diferença entre tristeza e depressão?

Horwitz –Ficamos naturalmente tristes pelas perdas do dia-a-dia, como de um relacionamento amoroso, de um emprego, de uma notícia de que seu estado de saúde não é bom. Ou quando há condições estressantes – como a pobreza – ou relações sociais em que se sofrem abusos, como os de poder. São situações ruins, mas sofrê-las não significa que algo esteja errado. É diferente da depressão, que surge sem razão específica. Não precisa ter acontecido algo terrível para surgir a depressão, que tem características biológicas. Ainda assim, a maior diferença não é o que acontece no cérebro. É o que ocorre dentro do contexto social. É dar à tristeza o ar de doença.

ÉPOCA – Depois de quanto tempo a tristeza passa a ser um quadro preocupante?

Horwitz – Não existe uma linha divisória definida. Podemos dizer que se uma tristeza dura mais de dois meses algo pode estar errado. Mas não significa que não tenha solução. O que importa é que estão tratando quem levou um fora do namorado e não consegue se concentrar, dormir ou comer direito da mesma maneira que a alguém com sintomas que persistem por longos períodos. Ficar na fossa quando um namoro acaba é a resposta natural a um estresse, e não um distúrbio mental.

ÉPOCA – A tristeza pode ser boa? O que podemos aprender com ela?

Horwitz – Uma situação dolorosa nunca é boa. A tristeza que envolve a perda pela morte de alguém que foi importante para nós é dura e custa a passar. Por outro lado, a perda do emprego e o fim de um relacionamento amoroso são circunstâncias que nos fazem parar para pensar. Revemos defeitos, analisamos conseqüências de nossos atos. Isso ajuda a encontrar equilíbrio na hora de começar de novo. A pessoa ganha maturidade.

ÉPOCA – O sentimento de perda provocado pela morte de alguém que amamos é depressão?



Horwitz – Não. É uma situação pesada. Mas a perda pela morte também faz parte da vida. Todos vamos perder pessoas queridas, e todos vamos morrer.

ÉPOCA – Como superar as fases mais complicadas?

Horwitz – O melhor a fazer é conversar com pessoas próximas. Falar com amigos e parentes. Procurar o apoio de quem nos conhece é o remédio ideal. A terapia também pode ajudar. Especialmente nos casos em que a tristeza se prolonga.

ÉPOCA – Desde quando a tristeza passou a ser medicada como doença?

Horwitz – Desde 1980, quando a Associação Americana de Psiquiatria lançou uma nova versão do manual de diagnósticos, que hoje está na quarta versão. O diagnóstico para distúrbios mentais se tornou generalista. Se alguém apresentar cinco sintomas daquela lista, é depressivo. Mas os médicos não se preocupam em questionar as circunstâncias.

ÉPOCA – Qual é a responsabilidade dos médicos nesse cenário?

Horwitz – Os médicos deixaram de considerar em que contexto esses sintomas surgem. Sei que no fundo é difícil para eles investigar as causas da tristeza, porque gastam no máximo 15 minutos com um paciente. É um contato muito breve – e fica mais fácil receitar uma pílula. Nem sempre é o que acreditam ser o melhor. Mas eles são pressionados pelo sistema de saúde – especialmente nos Estados Unidos – a não se prolongar em consultas. Os médicos estão falhando. Mas existem razões para essa falha.

ÉPOCA – E o paciente? Tem culpa?

Horwitz – Sim. Os médicos também cedem àquilo que o paciente deseja. Eles receitam o que o paciente pede quando chega ao consultório. Se não há evidências de que o paciente realmente sofre de algum transtorno, é uma atitude irresponsável.

ÉPOCA – O que é mais grave: tomar antidepressivos sem precisar ou ter uma depressão não tratada?

Horwitz – Alguém com depressão realmente precisa de tratamento. A intenção de nosso livro não é dizer que pessoas com problemas reais não devam ser tratadas da forma adequada, com remédios. Mas nos últimos anos ficou claro que consumir antidepressivos sem necessidade é um perigo. As duas situações são alarmantes.

ÉPOCA – A indústria farmacêutica colaborou para essa cultura de tratar a tristeza com medicamentos?

Horwitz – A indústria farmacêutica ganha muito dinheiro com antidepressivos. Promove esses produtos com anúncios mostrando pessoas felizes, que superaram seus problemas ao engolir uma pílula. É uma cena comum apresentada na publicidade. São casais, pais e filhos em situações do cotidiano, da família, do trabalho, que estão bem graças a um remédio. É um marketing poderoso e perigoso.

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